quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Nostalgia

Tive a graça de nascer e crescer neste pedaço de paraíso que chamamos de Barra do Ouro, principal distrito de Maquiné. Há quanto tempo? Pouco, muito, depende da concepção de cada um. Para mim pouco... Trinta anos, para ser mais exato.
Sou o quinto filho de um casal de descendentes de italianos, e quando nasci alguns de meus irmãos já não moravam em casa. Pai agricultor e mãe funcionária pública, que fazia a merenda na escola Hilário Ribeiro, então sob a direção das Irmãs Escolares de Nossa Senhora.
Fui educado na fé, e todos os sábados ou domingos era levado à Igreja por minha mãe. Fiz catequese para Primeira Eucaristia e Crisma, fui coroinha, participava das encenações de Natal (já tendo como coordenadora a Leninha), grupo de jovens...
Aliás, na adolescência, nos divertíamos de forma sadia. Durante o dia curtíamos os rios, as cachoeiras e a quadra de vôlei em frente à Igreja. E após fazermos uma janta na casa de alguém, virávamos as noites na “escadaria” da Igreja, tomando chimarrão, conversando sobre os mais variados assuntos, contando histórias de terror... Formávamos um grupo de pessoas de diversas localidades: Porto Alegre, Cachoeirinha, Caxias do Sul, São Leopoldo... Todos contando os dias para as férias em Barra do Ouro e o encontro com a galera.
Lembro do pedágio que organizamos para arrecadar fundos para a reforma da Igreja, quando o forro desabou. O fim de semana inteiro segurando uma faixa em frente aos carros que passavam pela rua principal e pedindo contribuições espontâneas. E muitos levavam pipoca e chimarrão e lá ficavam para passar o tempo...
Domingo era um dia triste para quem precisava ir embora, já contando os dias para chegar a sexta-feira e poder retornar. Bons tempos!
Mas e hoje? Barra do Ouro ainda possui suas belezas naturais, mas a maioria dos adolescentes que aqui vivem em nada lembram minha geração. As drogas já chegaram em nossa localidade, e destroem a vida de jovens e adolescentes.
A Igreja já não tem a mesma influência, talvez a tenha perdido para os traficantes ou para as próprias drogas. A figura do padre, religiosas e até mesmo professores já não é vista com respeito. Muros e locais públicos são alvos de vandalismo, casas estão sendo arrombadas (por enquanto apenas as de veranistas)...
A população já não goza mais da calmaria e sossego que antes aqui reinava. Os hábitos saudáveis dos adolescentes se perderam... E até suicídios de jovens cheios de vida e saúde já ocorreram.
Penso que está na hora de uma grande união entre Igreja, Poder Público e mesmo a Polícia Militar para que um novo caminho seja oferecido a nossos jovens e adolescentes. Quem sabe um dia Barra do Ouro possa ser novamente o que foi em minha geração.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Ser ignorado...

TESE DE MESTRADO NA USP por um PSICÓLOGO




'O HOMEM TORNA-SE TUDO OU NADA, CONFORME A EDUCAÇÃO QUE RECEBE'
'Fingi ser gari por 8 anos e vivi como um ser invisível'

Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua tese de mestrado da
'invisibilidade pública'. Ele comprovou que, em geral, as pessoas
enxergam apenas a função social do outro. Quem não está bem posicionado
sob esse critério, vira mera sombra social.

Plínio Delphino, Diário de São Paulo.

O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou
oito anos como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo. Ali,
constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são 'seres
invisíveis, sem nome'. Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu
comprovar a existência da 'invisibilidade pública', ou seja, uma
percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão
social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa.
Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de
R$ 400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição
de sua vida:

'Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode
significar um sopro de vida, um sinal da própria existência', explica o
pesquisador.

O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não
como um ser humano. 'Professores que me abraçavam nos corredores da USP
passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes,
esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me
ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão',
diz.
No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles colocaram uma
garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que não tinha
caneca. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra
classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns
se aproximavam para ensinar o serviço. Um deles foi até o latão de lixo
pegou duas latinhas de refrigerante cortou as latinhas pela metade e
serviu o café ali, na latinha suja e grudenta. E como a gente estava num
grupo grande, esperei que eles se servissem primeiro. Eu nunca apreciei
o sabor do café. Mas, intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e
claro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de
refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem
barata, tem de tudo. No momento em que empunhei a caneca improvisada,
parece que todo mundo parou para assistir à cena, como se perguntasse:
'E aí, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa caneca?' E eu bebi.
Imediatamente a ansiedade parece que evaporou. Eles passaram a conversar
comigo, a contar piada, brincar.

O que você sentiu na pele, trabalhando como gari?
Uma vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejão central. Aí
eu entrei no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passei pelo
andar térreo, subi escada, passei pelo segundo andar, passei na
biblioteca, desci a escada, passei em frente ao centro acadêmico, passei
em frente a lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse
trajeto e ninguém em absoluto me viu. Eu tive uma sensação muito ruim. O
meu corpo tremia como se eu não o dominasse, uma angustia, e a tampa da
cabeça era como se ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar,
não senti o gosto da comida e voltei para o trabalho atordoado.

E depois de oito anos trabalhando como gari? Isso mudou?
Fui me habituando a isso, assim como eles vão se habituando também a
situações pouco saudáveis. Então, quando eu via um professor se
aproximando - professor meu - até parava de varrer, porque ele ia passar
por mim, podia trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se tivesse
passando por um poste, uma árvore, um orelhão.

E quando você volta para casa, para seu mundo real?
Eu choro. É muito triste, porque, a partir do instante em que você está
inserido nessa condição psicossocial, não se esquece jamais. Acredito
que essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa. Esses
homens hoje são meus amigos. Conheço a família deles, freqüento a casa
deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador.
Faço questão de o trabalhador saber que eu sei que ele existe. Eles são
tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado pelo
nome. São tratados como se fossem uma 'COISA'.

*Ser IGNORADO é uma das piores sensações que existem na vida!